O mercado de arte global vem exibindo sinais claros de desaceleração após um período de forte expansão pós-pandemia. Grandes casas de leilão enfrentam quedas acentuadas em resultados financeiros – a Sotheby 's, por exemplo, registrou uma redução de 88% no lucro operacional no primeiro semestre de 2024.
Esse quadro reforça a percepção de que o mercado de arte atravessa uma fase de retração mais séria do que muitos players previam, evidenciada por vendas decepcionantes e cortes de pessoal em leiloeiras importantes, além do fechamento
de diversas galerias comerciais.
A seguir, analisamos em detalhes os fatores econômicos por trás dessa desaceleração, seus impactos diretos no setor de arte, comparamos a situação atual a crises passadas e apresentamos dados e exemplos concretos que ilustram o panorama atual do mercado.
Fatores econômicos: inflação, juros e crises globais
A conjuntura econômica mundial tem desempenhado um papel central no arrefecimento do mercado de arte. Nos últimos anos, observou-se um aumento das taxas de juros em diversas economias desenvolvidas como medida para conter a inflação elevada. Juros mais altos encarecem o custo do dinheiro, reduzindo a liquidez e o apetite por investimentos de risco – categoria na qual a arte frequentemente se enquadra.
Ao mesmo tempo, a inflação persistente corrói o poder de compra e eleva os custos de manutenção e transação no mercado de arte (transporte, seguro, logística), pressionando margens de negociantes e colecionadores. Segundo relatório da Art Basel & UBS, em 2023 o mercado operou “sob um pano de fundo de juros crescentes, inflação teimosamente alta, guerras e instabilidade política”, fatores que tornaram compradores – especialmente no topo do mercado – mais seletivos e cautelosos.
Crises globais recentes também contribuíram para esse cenário de desaquecimento. A guerra na Ucrânia, por exemplo, desestabilizou mercados e elevou preços de energia, alimentando a inflação mundial. Essa instabilidade geopolítica, somada a tensões comerciais e pós-pandêmicas, gerou um clima de incerteza que levou muitos colecionadores a adiar grandes aquisições de arte.
No início de 2023, participantes do setor já previam um ano instável: “the party’s over” (“a festa acabou”), disse o diretor de uma galeria de médio porte,
referindo-se ao fim do boom dos últimos dois anos e ao início de um período de ajustes.
1. Impactos nas casas de leilão
O enfraquecimento da demanda e a menor oferta de obras de alto nível já se refletem diretamente nas casas de leilão. Após dois anos excepcionalmente
aquecidos, 2023 trouxe uma freada brusca:
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A Christie 's reportou vendas globais de US$3,2 bilhões no primeiro semestre, uma queda de 23% em relação ao mesmo período do ano anterior.
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A Sotheby 's optou por não divulgar seus resultados semestrais de 2023 – um indicativo de que também enfrentava declínio. Em marquee sales (leilões de alto nível) realizados em maio de 2023 em Nova York, as três principais leiloeiras (Christie’s, Sotheby’s e Phillips) somaram cerca de US$ 1,4 bilhão em vendas (com taxas inclusas), bem abaixo dos US$ 2,5 bilhões obtidos em maio de 2022. Frente a receitas declinantes, as casas de leilão adotaram medidas de ajuste:
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Promoção de demissões significativas em 2023 (incluindo departamentos específicos como NFT art).
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Fusões e aquisições, como a união entre Freeman 's (Filadélfia) e Hindman (Chicago) para formar um novo grupo.
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Redução de comissões cobradas dos compradores e incentivos para vendedores. Impactos em galerias e feiras de arte
O setor de galerias enfrentou retração:
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As vendas agregadas caíram 3%, para US$36,1 bilhões em 2023.
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Grandes galerias (acima de US$10 milhões anuais) viram vendas recuarem 7%, enquanto galerias menores (abaixo de US$500 mil) tiveram crescimento de 11%.
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Fechamento de diversas galerias em Nova York, Londres e Barcelona, incluindo a histórica Marlborough Gallery.
Nas feiras de arte:
A participação das feiras no total de vendas de galerias caiu para 29% em
2023 (abaixo dos 35% em 2022).
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Obras de preços elevados enfrentaram dificuldades de venda, enquanto peças abaixo de US$100 mil tiveram melhor saída.
2. Comparação com crises anteriores do mercado de arte
A desaceleração atual pode ser comparada a crises passadas:
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Recessão de 1990-91: Queda drástica nas vendas globais (de US$27,2 bilhões em 1990 para US$9,7 bilhões em 1991).
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Crise financeira de 2008-09: Queda de ~40% no mercado de arte, mas recuperação rápida devido à demanda chinesa.
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Pandemia de 2020: Queda de até 30%, porém recuperação ágil via digitalização e estímulos econômicos.
A desaceleração atual compartilha traços dessas crises, mas apresenta um fator novo: a retração mais forte dos colecionadores ultra-ricos, afetando principalmente obras de altíssimo valor.
Dados atuais de vendas e preços
De acordo com o Art Basel & UBS Global Art Market Report 2024:
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O valor total das vendas globais de arte caiu 4% em 2023, para US$65 bilhões.
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Vendas de obras acima de US$10 milhões diminuíram significativamente.
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Número de transações aumentou 4%, mas com queda de 32% nos preços médios das obras vendidas em leilão. Vendas online cresceram 7%, totalizando US$11,8 bilhões.
Exemplos recentes
Leilões de Nova York em maio de 2023 arrecadaram US$1,4 bilhão, abaixo dos US$2,5 bilhões de 2022.
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A Sotheby 's Londres viu uma queda acentuada nas vendas de arte ultra contemporânea.
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O fechamento da Marlborough Gallery simboliza o redimensionamento
do mercado.
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Feiras como TEFAF Maastricht e Frieze London refletem um público mais cauteloso.
3.Conclusão
O mercado de arte passa por um período de desaceleração, não colapso. Enquanto
o segmento de altíssimo valor enfrenta desafios, nichos alternativos e digitais mantêm atividade.
Se a conjuntura econômica global melhorar, o mercado pode retomar o crescimento, mas o cenário atual sugere que nos próximos anos a arte dependerá mais da qualidade e valor intrínseco das obras do que de pura especulação.
É um momento de transição, no qual profissionais e colecionadores precisam ajustar estratégias para navegar com sucesso neste novo ciclo do mercado de arte.
Fontes:
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Art Basel & UBS Global Art Market Report 2024 - Relatório anual que analisa tendências do mercado de arte global, incluindo dados sobre vendas, leilões e comportamento de colecionadores. Link: https://www.ubs.com/global/en/our-firm/art/art-market-insights/download-survey-report-2024.html
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Relatórios financeiros das casas de leilão: - Christie's: https://www.christies.com - Sotheby's: https://www.sothebys.com - Phillips: https://www.phillips.com Esses relatórios fornecem dados sobre desempenho de vendas, lucro operacional e tendências de mercado.
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The Art Newspaper e Artnet News - Publicações especializadas que reportam tendências do mercado de arte, fechamentos de galerias, desempenho de feiras e eventos. - Art Newspaper: https://www.theartnewspaper.com - Artnet News: https://news.artnet.com
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Relatórios da Pi-eX - Consultoria que analisa resultados de leilões e o impacto da economia global no mercado de arte. Link: https://www.pi-ex.com
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Índices de mercado da Artprice - Estatísticas sobre preços e desempenho de artistas no mercado secundário. Link: https://www.artprice.com
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Entrevistas com galeristas e colecionadores - Declarações e análises coletadas em eventos como Art Basel, Frieze e TEFAF, refletindo o comportamento do mercado. - Art Basel: https://www.artbasel.com - Frieze: https://www.frieze.com - TEFAF: https://www.tefaf.com
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Análises macroeconômicas - Relatórios de bancos centrais (como Federal Reserve e Banco da Inglaterra) sobre inflação, juros e seu impacto em investimentos de alto risco, incluindo arte. - Federal Reserve: https://www.federalreserve.gov - Banco da Inglaterra: https://www.bankofengland.co.uk 8. Estudos acadêmicos e publicações setoriais - Estudos sobre ciclo.
Texto de Maria Paula Borela