O mercado de arte é uma fascinante combinação de estética, prestígio e especulação, onde uma única pintura pode alcançar milhões ou permanecer sem comprador. Mas o que realmente determina o preço da arte contemporânea?
Um estudo inovador publicado na Scientific Reports (2024) revela que os sinais sociais — como a reputação do artista e o contexto de mercado — desempenham um papel muito mais significativo do que as qualidades visuais da obra, especialmente em mercados emergentes. Esta pesquisa não apenas reformula nossa compreensão da valoração da arte, mas também destaca o poder do aprendizado de máquina na decodificação de mercados culturais complexos.
O Poder dos Sinais Sociais
O estudo utiliza um conjunto de dados inovador de leilões de arte contemporânea para comparar a influência de metadados sociais (como reputação do artista, localização do leilão e tendências de mercado) com características visuais (como cor, composição e estilo). Usando o algoritmo XGBoost*, os pesquisadores descobriram que os sinais sociais sozinhos explicavam aproximadamente 73% da variância nos preços das obras, em contraste com apenas 5,5% explicados pelas características visuais. Isso sugere que os compradores frequentemente estão "comprando o artista" em vez da própria obra.
O caso icônico de Salvator Mundi ilustra isso perfeitamente. Inicialmente vendido por US$ 60 em 1958, quando atribuído a um artista menos conhecido, seu valor disparou para US$ 450 milhões em 2017 após ser reatribuído a Leonardo da Vinci. Este exemplo extremo destaca como a fama de um artista pode ofuscar as qualidades intrínsecas da obra. O estudo confirma que esse padrão não é uma exceção, mas uma característica definidora do mercado de arte contemporânea, particularmente em obras abstratas e modernas, onde o consenso estético é mais difícil de estabelecer.
Mercados Emergentes: Onde o Prestígio Reina Supremo
A pesquisa revela uma dependência ainda mais acentuada dos sinais sociais em mercados de arte emergentes — países fora dos centros tradicionais como Estados Unidos, Reino Unido, França e Alemanha. Nesses mercados, onde normas estabelecidas e expertise podem ser menos desenvolvidas, os compradores confiam fortemente no prestígio do artista e no burburinho do mercado. Os modelos de aprendizado de máquina do estudo mostraram maior precisão preditiva em mercados emergentes ao usar metadados sociais, sugerindo que a valoração nessas regiões está mais relacionada à marca do artista do que ao apelo visual da obra.
Essa descoberta desafia visões tradicionais, como o formalismo, que argumenta que o valor de uma obra reside em suas qualidades visuais inerentes, como cor e composição. Embora as teorias formalistas assumam uma valoração consistente entre mercados, o estudo mostra que o contexto social molda significativamente o preço, especialmente onde a maturidade do mercado ainda está evoluindo.
Colaboração Humano-Máquina: Um Divisor de Águas
Uma das descobertas mais empolgantes do estudo é o potencial da colaboração humano-máquina. Ao incorporar as estimativas de profissionais de casas de leilão no modelo XGBoost, os pesquisadores alcançaram uma precisão de previsão que superou as estimativas dos especialistas sozinhos. Essa abordagem híbrida destaca o valor de combinar intuição humana com insights baseados em dados, particularmente em mercados voláteis ou incertos. A capacidade do modelo de se aproximar da precisão de nível profissional usando apenas metadados sociais também sugere que o aprendizado de máquina pode democratizar a valoração da arte, tornando-a mais acessível a novos colecionadores e mercados.
Implicações para o Mundo da Arte
Os insights do estudo têm implicações de longo alcance. Para colecionadores e investidores, ele enfatiza a importância de pesquisar a reputação do artista e o contexto de mercado, em vez de focar apenas no apelo visual. Para as casas de leilão, destaca a necessidade de adaptar estratégias de valoração a diferentes mercados, especialmente os emergentes, onde os sinais sociais predominam. E para os artistas, ressalta o papel crítico de construir uma marca pessoal forte e uma rede de contatos para ter sucesso na cena artística global.
Além disso, o sucesso do modelo humano-máquina aponta para um futuro onde a tecnologia amplia o conhecimento especializado. Em mercados em rápida mudança, onde a expertise tradicional pode ficar defasada, tais modelos podem oferecer uma vantagem competitiva, ajudando as partes interessadas a navegar pelas complexidades da valoração da arte com maior precisão.
Conclusão
O estudo da Scientific Reports de Lee et al. revela uma verdade fundamental sobre o mercado de arte contemporânea: os sinais sociais, não as características visuais, são os principais impulsionadores do preço, especialmente em mercados emergentes. Esta pesquisa desafia a sabedoria convencional e demonstra o potencial transformador do aprendizado de máquina em indústrias culturais. À medida que o mundo da arte continua a se globalizar, entender a interação entre prestígio, contexto e tecnologia será essencial para desvendar seus mistérios.
Para aqueles intrigados pela interseção entre arte, dados e cultura, este estudo é uma leitura obrigatória. Ele não apenas decodifica as dinâmicas da valoração da arte, mas também oferece um vislumbre de como a colaboração humano-máquina pode moldar o futuro dos mercados criativos.
(*) O XGBoost (eXtreme Gradient Boosting) é uma ferramenta poderosa para a criação de modelos preditivos precisos e eficientes, que se destaca pela sua capacidade de combinar a técnica de reforço de gradiente com árvores de decisão.
Leia o estudo completo na Scientific Reports (2024) em: https://www.nature.com/articles/s41598-024-60957-z