É extremamente difícil definir objetivamente o que é uma “ótima” arte. Digo, lá atrás, no final do século XVIII, Kant já defendia a subjetividade por trás do gosto. Mas, por algum motivo, não podemos negar o sentimento que temos quando vemos um quadro ruim.

Ainda por cima, para defender nosso ponto de vista, costumamos elaborar todos os tipos de critérios sobre o objeto sendo analisado.

“Você sabe, a perspectiva da pintura é horrível.”

“A composição desta peça deixa a desejar.”

“A simbologia, a simetria…”

“Blá, blá, blá…”

Será que esses critérios sequer fazem sentido? Digo, será que alguns deles são melhores do que outros para explicar o belo em uma obra? O filósofo britânico David Hume, o objeto deste artigo, diria que sim. Na verdade, é isso que ele expõe em seu ensaio “O Padrão de Gosto”.

E se defender um “padrão de gosto” parece ridículo, Hume perguntaria: o que fazemos sempre que temos uma discordância sobre algo?

O que fazemos quando temos uma discordância sobre algo, digamos, científico? Bem, você consulta um especialista no assunto. Você vai e pergunta a um cientista. Esse cientista adquiriu um conjunto específico de habilidades ao longo de anos de treinamento que o tornam exclusivamente qualificado para responder à pergunta que você tem, para resolver essa discordância.

Então, por que é tão louco, Hume perguntaria, pensar que podemos fazer a mesma coisa quando se trata de julgar a arte — passar anos de sua vida julgando arte, cultivando um conjunto de habilidades que o torna um crítico perfeito.

Bem, é a partir daí que surge o questionamento: O crítico perfeito existe? É possível diferenciar uma boa arte de uma arte ruim?

CAPÍTULO 1: O que você precisa saber sobre Hume

Naquela época (século XVIII), os autores estavam começando a discutir se o belo é uma aspecto inerente ao objeto ou não. Tomemos o círculo como exemplo. O belo não é uma propriedade inerente do círculo: podem existir círculos que não são belos.

A beleza, aos olhos de Hume, está no sentimento da pessoa que olha para essas coisas. Portanto, a beleza reside em um sentimento, e não sabemos que algo é belo até termos seu sentimento.

A investigação de Hume é interessante porque é difícil encontrar um consenso sobre a beleza. Mesmo entre culturas, dentro de culturas e até mesmo dentro do seu próprio círculo social, você verá pessoas divergindo sobre o que é belo constantemente. Para Hume, condenamos naturalmente sentimentos que não concordam com os nossos, ou seja, condenamos sentimentos sobre o belos que o outro possui quando esse sentimento não surge em nós.

O que Hume busca, então, não é uma definição de beleza em si, mas se existe alguma forma de justificar nossos sentimentos, nossas opiniões.

A partir dessas questões, ele escreveu “O Padrão do Gosto”.

CAPÍTULO 2. PADRÕES DE GOSTO

Mas o que é o padrão de gosto? Vale ressaltar que no “O padrão do gosto”, Hume não está tentando definir a beleza. O que ele quer definir é “algum detector confiável de beleza ou de sentimento condenável”. Algum critério pelo qual você pode dizer que um lado está errado e o outro lado está certo.

Ele (Hume) diz que é uma regra pela qual os vários sentimentos dos homens podem ser reconciliados. Pelo menos uma decisão que confirma um sentimento e condena outro.

Eu sei o que você está pensando: Logicamente nenhuma arte é melhor ou pior do que qualquer outra arte. É puramente uma preferência pessoal.

Mas será que a conversa realmente termina aí? Será que realmente não há mais o que discutir aqui?

David Hume diria que a beleza está nos olhos de quem vê. Ele diria que não existe uma arte necessariamente melhor ou pior do que qualquer outra arte. Afinal, o costume e a experiência é o grande guia da vida humana. Mas só porque não há uma forma ideal de beleza ou de “boa arte” para nós chegarmos, isso não significa que a opinião de todos sobre o que é belo seja igualmente válida.

Hume diz que pelo menos é claro que alguns sentimentos (de belo) podem ser condenados em uma disputa. E assim a busca está em encontrar um padrão que nos permita fazer isso, um padrão de gosto.

CAPÍTULO 3: O CRÍTICO PERFEITO

Início da investigação do crítico perfeito se dá ao entendermos que o “Padrão de Gosto”, não é um “sentimento único de belo” em todas as pessoas no planeta, mas sim a ocorrência deste sentimento nas pessoas certas.

Portanto, uma premissa fundamental para Hume é que objetos belos podem agradar a qualquer pessoa, pelo menos têm a capacidade de agradar a qualquer pessoa. Não que sempre o façam, na verdade, mas pelo menos têm essa capacidade, rs.

E por que os objetos belos nem sempre agradam a todos? Porque as pessoas frequentemente carecem de algumas habilidades como críticos e têm algumas obstruções que impedem que objetos belos realmente cheguem até nós. Devemos garantir que essas obstruções estejam ausentes.

3.1 Habilidades

Então, aqui estão, as cinco habilidades que David Hume considera absolutamente necessárias se você quiser se considerar um crítico honesto e verdadeiro da arte:

“Um bom senso forte, unido a um sentimento delicado, aprimorado pela prática, aperfeiçoado pela comparação e livre de preconceitos, só pode conceder aos críticos este valioso caráter”.

  1. Delicadeza (ou gosto delicado)

A ideia que ele está transmitindo aqui é que, se você for um dos críticos ideais de arte de David Hume, pelo menos deve ser capaz de olhar para algo e realmente ver toda a obra de arte que você está julgando, incluindo todos os detalhes mais finos, todas as escolhas que foram feitas que tornam esta obra de arte o que é.

Para isso, primeiro, você precisa passar um tempo cultivando essa habilidade, cultivando esse olhar para os detalhe dos quais ele fala. Novamente, ele não está dizendo que a arte com mais detalhes é necessariamente melhor do que a arte com menos detalhes. Não é isso que ele está dizendo. Hume está apenas dizendo que parece razoável que um requisito antes de você se considerar um crítico de arte ideal seja que você realmente esteja olhando para tudo o que o artista colocou ali, não apenas uma experiência sensorial de superfície da arte em que você acredita que vê todos os detalhes, mas na realidade não os está vendo.

2. Prática:

Quanto mais você pratica algo, melhor você fica nisso. Quanto mais você pratica julgar arte, melhor você se torna em julgar arte.

3. Comparar com outras artes.

David Hume achava que essa prática de comparação — comparar a arte com diferentes obras de arte — era incrivelmente importante para o processo.

4. Ser livre de preconceitos:

Pense em quão tentador seria dizer que você ama absolutamente uma pintura simplesmente porque gastou dois milhões de dólares com ela. Pense em quão tentador seria amar uma pintura que seu padrasto pintou enquanto passava por uma crise de meia-idade. Hume diria que essa é uma habilidade crucial a se ter se você for criticar arte. Você deve ser capaz de se separar desses preconceitos.

5. Bom senso:

A última qualidade de um crítico ideal que fundamenta todas as outras dessas habilidades e, de muitas maneiras, é a mais importante de todas, é que Hume acredita que você precisa de um bom senso. Para simplificar, você precisa ser capaz de ver, ouvir ou apenas estar presente para experimentar a arte real que você está julgando.

Portanto, a ideia é que o padrão de gosto é o veredicto conjunto dos críticos com essas cinco características: bom senso, liberdade de preconceitos, comparação, prática e delicadeza.

CAPÍTULO 4: CONCLUSÃO

Em conclusão, a pergunta sobre o que separa a boa arte da má arte é uma questão complexa e subjetiva, como reconhecido pelo filósofo David Hume. Embora a natureza da beleza possa não estar presente nos objetos em si, Hume propõe que ela reside nos sentimentos individuais. A busca por um padrão de gosto, conforme explorado em seu ensaio “O Padrão do Gosto”, visa reconciliar sentimentos divergentes e fornecer uma base para a avaliação da arte.

Hume desafia a noção de um padrão objetivo para a beleza, mas sugere que alguns critérios para julgar a arte podem ser mais válidos do que outros. Ao fazer paralelos com a consulta a especialistas em desacordos científicos, ele propõe a ideia de tornar-se um crítico mestre ou formador de gostos por meio de anos de cultivo de habilidades na avaliação da arte. O crítico ideal, segundo Hume, possui um gosto delicado, aprimorado por meio da prática e da comparação, livre de preconceitos e fundamentado em um sentido forte.

A essência do argumento de Hume reside no reconhecimento de que, embora a beleza seja subjetiva, nem todas as opiniões sobre arte são igualmente válidas. O crítico ideal, equipado com habilidades específicas, torna-se um detector confiável de beleza ou de sentimentos condenáveis, contribuindo para a busca contínua de um padrão de gosto. Em última análise, a exploração de Hume nos convida a considerar as complexidades da avaliação da arte e nos desafia a cultivar as habilidades necessárias para discernir e apreciar a beleza inerente nas expressões artísticas.

Referências:

Grant, J. (Host). (2011, 15 de março). Aesthetics and Philosophy of Art Lectures. Podcast apresentado em Aesthetics and Philosophy of Art Series, University of Oxford. Recuperado de https://bit.ly/3G69Bjd

Hume, David (1757). Of the standard of taste. In Essays Moral, Political, and Literary. Libertyclassics (1987). pp. 226–249.

 

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