Quando o valor se multiplica com o número de admiradores
Existe um momento curioso no ciclo de qualquer objeto de desejo: ele começa valendo por si, mas termina valendo pelos outros. No início, é a qualidade — a técnica, o acabamento, a singularidade — que sustenta o preço. Depois, quando o público cresce, o valor muda de natureza: o que se compra já não é apenas o produto, mas a sensação de pertencer a uma comunidade de escolhidos. Economistas chamam isso de externalidade de demanda positiva; o resto do mundo chama de moda, prestígio ou simplesmente desejo coletivo.
Essa lógica — o valor que cresce conforme mais pessoas desejam o mesmo bem — não é nova. Thorstein Veblen já havia descrito, em 1899, o impulso de consumir para ser visto consumindo. Mas o estudo recente da Universidade de Bolonha traz uma nuance sofisticada: mostra que o efeito manada não apenas amplia a demanda, como também altera a dinâmica dos preços. Em certos contextos, quanto mais admirado é um produto, menor pode ser o preço do seu concorrente — e, paradoxalmente, o próprio item de luxo pode se tornar mais acessível, não por generosidade, mas por estratégia de sobrevivência.
A economia, portanto, revela algo que o mercado de arte sempre soube intuitivamente: o valor é um fenômeno social antes de ser monetário. Obras, marcas e artistas circulam em ecossistemas de desejo onde cada novo adepto reforça a legitimidade dos anteriores. A escultura não é apenas bronze; o quadro não é apenas pigmento. É o reflexo de uma rede de olhares que se cruzam — e cada olhar a mais muda o preço, mesmo que ninguém perceba o instante exato em que isso acontece.
Do iPhone ao Basquiat — a lógica invisível da reputação coletiva
Os autores do estudo da Universidade de Bolonha usam dois exemplos para explicar o fenômeno: o iPhone e o Tesla. Ambos representam produtos cujo valor cresce conforme a base de usuários se expande. Quanto mais gente usa um iPhone, maior o incentivo para desenvolvedores criarem aplicativos, para empresas fabricarem acessórios e para consumidores reforçarem a ideia de que possuir o aparelho é sinal de bom gosto. O mesmo vale para os carros elétricos da Tesla, cujo valor simbólico — ser “parte do futuro” — aumenta a cada novo carregador instalado. É um círculo virtuoso de prestígio e utilidade.
No mundo da arte, o mecanismo é parecido, embora menos previsível. Quando um colecionador influente compra uma obra de Basquiat, ele não adquire apenas a pintura, mas também o selo invisível de pertencimento a uma elite cultural. Cada nova venda reforça a legitimidade do artista e amplia o valor de todas as obras já existentes. É o efeito rede aplicado ao simbólico: a percepção de qualidade se retroalimenta a partir da adesão coletiva. Assim, o mercado de arte se comporta mais como um ecossistema social do que como um simples conjunto de transações.
Essa reputação compartilhada, porém, tem algo de etéreo. Diferente do software que melhora com cada atualização, a obra de arte não muda fisicamente; o que muda é o olhar do público. O valor se desloca do objeto para o consenso. E esse consenso é volátil, alimentado por modas, curadorias e narrativas midiáticas. É por isso que o estudo da Bolonha, ainda que parta de um modelo matemático, toca em algo essencialmente humano: a arte — como o luxo — é menos sobre a posse e mais sobre o pertencimento.
O papel da desigualdade — renda, status e o limite do desejo
O estudo de Bolonha introduz uma variável que costuma ficar fora das análises sobre luxo e arte: a distribuição de renda. Quando a riqueza está muito concentrada, o efeito manada não se espalha; ele se fecha num círculo restrito de compradores que já não precisam de sinais externos para afirmar seu status. O consumo de prestígio torna-se silencioso, quase discreto — uma espécie de luxo invisível, onde o valor é saber o que poucos sabem, e não mostrar o que todos veem.
Em sociedades mais niveladas, acontece o oposto. O desejo de distinção é maior, e o preço alto vira um marcador simbólico de pertencimento. Nesse cenário, o “efeito manada” pode realmente inflar o valor dos produtos de elite, porque a aspiração é compartilhada por uma base mais ampla. O luxo se torna um espetáculo, e o preço, uma forma de participar dele. A arte, nesse contexto, assume a função de espelho social: reflete quem pode e quem gostaria de poder.
Esse cruzamento entre renda e desejo é o ponto mais provocador do estudo — e talvez o menos explorado. Ele sugere que o valor de um bem simbólico depende não apenas da sua qualidade, mas da estrutura social que o circunda. Em um mundo desigual, o prestígio se concentra; em um mundo mais equilibrado, o prestígio se multiplica. E no meio disso tudo, o preço não é um dado econômico, mas um termômetro do que cada sociedade considera digno de ser admirado.
O que as galerias e marcas de arte podem aprender com o modelo
Se o valor depende da adesão coletiva, então o desafio de galerias e marcas de arte não é apenas vender obras — é construir ecossistemas de prestígio. O estudo da Universidade de Bolonha sugere algo que o marketing já intuía: a qualidade, sozinha, não garante o preço. É preciso criar densidade simbólica, fazer com que cada novo comprador reforce o valor para todos os outros. Em linguagem de mercado, é a diferença entre uma galeria que apenas expõe e outra que cultiva uma comunidade de colecionadores, críticos e artistas que se reconhecem mutuamente.
Essa lógica explica por que tantas galerias investem em artistas emergentes com potencial de formar “seguidores” antes mesmo de terem vendas expressivas. A aposta é na criação de uma rede de valor, não em resultados imediatos. Quando o público cresce em torno de uma marca artística, o prestígio se consolida — e o preço passa a refletir essa teia de confiança, e não apenas a escassez da obra. Nesse sentido, o efeito manada pode ser cultivado de forma estratégica, como se fosse uma curadoria invisível.
Entre a teoria e o ateliê — o que a economia não consegue medir
Modelos econômicos, por mais sofisticados que sejam, raramente dão conta do imponderável: a emoção, o acaso, o instante em que algo deixa de ser apenas um objeto e se transforma em obra. O estudo de Bolonha tenta capturar a lógica matemática do desejo coletivo — e consegue, em parte. Ele revela os mecanismos invisíveis que ligam o prestígio à renda, a imitação ao valor, a popularidade à fragilidade do luxo. Mas o que escapa da equação é justamente o que torna a arte insubstituível: sua capacidade de gerar sentido onde o mercado só vê preço.
No ateliê, a lógica é outra. O artista não calcula elasticidades nem distribuições log-côncavas; ele persegue uma ideia, uma sensação, um gesto que talvez ninguém compreenda — pelo menos não de imediato. E, paradoxalmente, é dessa imprevisibilidade que nasce o valor verdadeiro. Enquanto o mercado busca equilíbrio, a arte prospera no desequilíbrio: quanto mais foge da lógica, mais se torna desejável. O público, consciente ou não, reconhece esse risco e o transforma em fascínio.
No fim, o estudo sobre o efeito manada diz menos sobre preços e mais sobre o nosso modo de atribuir significado às coisas. O desejo é contagioso, mas nunca totalmente racional. É ele que move o mercado, sim — mas também o que o desafia. Entre as fórmulas da economia e o silêncio de um ateliê, há um espaço de mistério que nenhuma equação traduz. É ali, nesse intervalo, que a arte continua sendo o que sempre foi: a exceção que insiste em escapar das regras.
Ao mesmo tempo, o estudo serve de alerta. A popularidade é volátil, e o excesso de exposição pode corroer o valor simbólico tão rapidamente quanto o constrói. Para as galerias, isso significa encontrar o ponto de equilíbrio entre tornar o artista desejado e preservá-lo da saturação. O prestígio, afinal, é um recurso finito. E, como todo ativo de reputação, precisa ser administrado com paciência, coerência e uma boa dose de mistério.