Resumo:

Conforme observado por Grampp (1989), as obras de arte são consideradas bens econômicos, sujeitas à avaliação do mercado. Nesse cenário, diversos atores desempenham papéis fundamentais, desde os artistas e colecionadores até gestores de museus, negociantes e responsáveis por leilões (McANDREW, 2010; THOMPSON, 2008). O que torna esse mercado singular é a convivência de duas lógicas aparentemente contraditórias: a lógica da arte e a lógica do mercado capitalista, como discutido por Bourdieu (2011) e Velthuis (2007).

Dessa forma, este estudo investigará as complexas dinâmicas que surgem dessa dualidade, explorando como os negociantes de arte buscam acumular capital cultural, ao mesmo tempo em que negam o fim puramente econômico de suas práticas. Analisaremos também a distinção entre o mercado primário e secundário, destacando como o acesso à informação confiável no último desempenha um papel crítico na determinação de preços e decisões de investimento. Assim, desvendaremos as camadas profundas do mercado de arte, onde o cultural e o financeiro se entrelaçam em um jogo complexo de estratégias e interesses.

De acordo com Grampp (1989), obras de arte são bens econômicos, nos quais seu valor pode ser medido pelo mercado, mercado esse no qual vendedores e compradores de arte — players que atuam na comercialização de arte — buscam ganhar o máximo que puderem sobre seus investimentos.

No mercado de arte, os players possuem diferentes papéis, como artistas ou produtores), colecionadores, gestores de museus e de galerias, negociantes e responsáveis por leilões (McANDREW, 2010; THOMPSON, 2008). Ou seja, peças artísticas tornam-se ativos especializados e são trocados por um grupo crescente de investidores, tanto individuais — colecionadores e agentes — quanto institucionais — galerias, leilões, museus –, ambos interessados em seu benefício financeiro, beleza estética ou importância histórica (McANDREW, 2010).

Teorizado por Bourdieu (2011) e comentado posteriormente por Velthuis (2007), a comercialização de arte e, em conseguinte, os participantes do mercado de arte, seguem um modus operandi específico. Dessa forma, o mercado de arte é um sítio em que as ações humanas (rotinas, rituais e símbolos) são corroboradas por duas lógicas contraditórias e conflitantes: a lógica da arte e a lógica do mercado capitalista.

Nesse sentido, os negociantes do mercado de arte, muitas vezes, apoiam-se na negação constante do fim econômico e defendem que seu ofício tem como objetivo, o fim simbólico e cultural do apoio à arte (VELTHUIS, 2007).

Bourdieu (2011) comenta essa negação do fim econômico como “dualidade e duplicidade essenciais” do campo da arte. A interpretação de Bourdieu é que obras de arte são ao mesmo tempo commodities e objetos simbólicos. E ao negar o fim econômico de suas práticas e afirmar sua cruzada pela arte, os negociantes (negociantes individuais e instituições) desse campo acumulam capital cultural (BOURDIEU, 2011).

Em outras palavras, a partir dessa prática, negociantes de arte estabelecem uma reputação ou nome reconhecido, que os permitem consagrar objetos ou pessoas, consequentemente, atribuindo a estes valores artísticos e econômicos (VELTHUIS, 2007). A busca pelo acúmulo de capital cultural, oriundo da negação do fim econômico da arte, será o pilar de uma estratégia baseada em reputação, que é essencial para os negociantes de arte, uma vez que possibilitará mais vendas ou preços mais altos nas obras.

Portanto, o interesse em estética por parte dos negociantes é guiado pela busca de investimentos lucrativos (VELTHUIS, 2007). Ademais, essa dupla lógica do mercado de arte pode ser expressa na funcionalidade de diferentes sistemas dentro desse campo: o mercado primário e o secundário.

O mercado de arte primário é o subcampo pelo qual o artista vende pela primeira vez seu trabalho para colecionadores ou para uma instituição de arte. Essa venda pode ocorrer de artistas para colecionadores ou negociantes, e ocorre, muitas vezes, por meio de um intermediário, podendo ser um agente de arte. Alguns artistas também fazem vendas diretamente para leilões de arte, como é o caso do artista inglês Damien Hirst (THOMPSON, 2008). Entretanto, esses casos são poucos e limitados para grandes artistas. A praça na qual as vendas do mercado primário ocorrem tendem a ser estúdios de artistas, galerias de arte, feiras de arte ou festivais de arte (McANDREW, 2010). Nesses locais, a prática de venda está associada com “dualidade e duplicidade essenciais” do campo da arte. Ou seja, não há esforço de vendas das obras produzidas, como no mercado de varejo. O que ocorre é um waiting game, ou seja, a espera para que as obras sejam compradas (VELTHUIS, 2007).

Velthuis (2007) define, contudo, que a maior parte da receita de uma instituição de arte que participa ativamente do mercado, como uma galeria, vem das trocas feitas no mercado secundário. Em contraste com o mercado primário, no secundário as trocas em questão de valor e volume são maiores. Além disso, negociantes e leilões têm um papel importante nesse espectro, uma vez que é praticada apenas a revenda de obras (VELTHUIS, 2007).

No caso, essas revendas tendem a ter um preço mais alto por sua própria natureza. Os custos de informação também são mais baixos no mercado secundário, uma vez que o valor de revenda é publicado, por exemplo, quando a transação é feita por casa leiloeira há uma quantidade maior de informações mais certeiras sobre os artistas e suas obras, portanto, as compras no mercado secundário tendem a ser menos arriscadas, comparadas aos investimentos financeiros. Esta diminuição no risco também está ligada a uma característica distinta deste mercado, no qual o valor de obras de arte tende a valorizar ao invés de depreciar ao longo do tempo (McANDREW, 2010).

O acesso à informação confiável permitido pelo mercado de arte secundário é, portanto, uma ferramenta importante para a composição do preço de obras, índices de arte e, consequentemente, decisões sobre investimentos (MEI MOSES, 2002).

Vale ressaltar que o mercado de arte não é uma entidade homogênea. Pelo contrário, o que existe é um conglomerado de mercados distintos, cada um se desenvolvendo em seu próprio ritmo. O mercado de arte é, portanto, o nome dado ao conjunto de muitos sub mercados ímpares, os quais são definidos por artistas, diferentes tipos de obras de arte e comportamentos específicos. Cada segmento subjacente desse mercado tem seus próprios players, assim como suas próprias trajetórias de preços móveis e riscos inerentes (McANDREW, 2010).

Isso é fundamental para entender investimentos no mercado de arte, dado que determinada obra de arte pode ser um bom investimento por conseguir ser negociada em diversos submercados, muitos dos quais têm retornos e riscos diferentes, bem como seus próprios padrões de comércio.

Quando obras de arte são vistas como bens econômicos ou mercadorias, players do mercado de arte passam a ter como objetivo o aspecto financeiro, não apenas cultural. Isso, por sua vez, condiz com a essência desse campo, o qual segue uma dupla lógica: a capitalista e a simbólica. Tal duplicidade pode ser expressa pela presença de diferentes sistemas dentro do mercado, o primário e o secundário e este é o alvo deste estudo, uma vez que nele há maior facilidade para obtenção de informações.

 

Eduardo Freitas Valle
 

 

Eduardo Freitas Valle: Pesquisador Científico | Entusiasta de Arte | Estudo o Mercado Financeiro e o Mercado de Arte

Referências:

BOURDIEU, P. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1974.

GRAMPP, W. D. Pricing the priceless: art, artists and economics. New York: BasicBooks, 1989.

McANDREW, C. Fine Art and High Finance. Canada: Bloomberg Press, 2010.

THOMPSON, D. O Tubarão de 12 Milhões de Dólares. Londres: Aurum Press, 2008.

VELTHUIS, O. Talking prices: symbolic meanings of prices on the market for contemporary art. 4. ed. [S. l.]: Princeton University Press, 2007.