O verdadeiro valor da arte: quando o estúdio do artista vira uma empresa de risco
Um novo estudo de Amy Whitaker e Roman Kräussl propõe tratar o artista como um investidor em P&D(1) — e revela que Frank Stella, apesar do sucesso precoce, passou anos no vermelho.
Durante décadas, economistas tentaram medir a arte como um ativo — rastreando preços de leilão, índices de valorização e retorno financeiro. Mas o novo estudo The Real Value of Art muda o eixo da discussão: e se o verdadeiro valor da arte estiver não no objeto vendido, mas no processo que o produz? Ao analisar 60 anos da carreira de Frank Stella (1936–2024), os autores Amy Whitaker (NYU) e Roman Kräussl (Bayes Business School) propõem que o artista seja visto como uma empresa operante, um investidor que financia seu próprio risco criativo.
(1) P&D significa Pesquisa e Desenvolvimento — em inglês, Research and Development (R&D).
O artista como empresa
Whitaker e Kräussl coletaram algo inédito: registros financeiros completos do estúdio de Stella — notas fiscais, custos de materiais, aluguéis e salários estimados. O que descobriram desafia a lógica tradicional dos mercados de arte: as perdas iniciais de Stella mascaravam um investimento de alto risco, sustentado por galerias que funcionavam, na prática, como coinvestidores de capital de risco.
“Produzir arte é um ato de P&D”, afirmam os autores. “O artista investe sem saber o retorno, e o mercado só reconhece o valor muito tempo depois.”
O paradoxo Frank Stella
Apesar de ter sido celebrado cedo — com 24 anos, Stella já expunha no MoMA —, o artista enfrentou uma década de prejuízos. Entre 1958 e 1965, seus balanços anuais ficaram no vermelho, e só a partir de 1967, com a popularidade da série Protractor e o início de suas gravuras com a Gemini G.E.L., ele alcançou lucro real.
A pesquisa revela que as galerias Leo Castelli e Lawrence Rubin foram fundamentais para sua sobrevivência, pagando adiantamentos mensais que mantinham o estúdio em operação. “Sem esses parceiros”, escrevem os autores, “Stella talvez tivesse desistido da arte antes de o mercado perceber sua importância”.
Valor de mercado x valor real
Quando ajustados os custos de produção, os retornos de Stella diminuem drasticamente. O estudo mostra que o lucro aparente do artista — calculado apenas pelo preço de leilão — ignora anos de déficits acumulados.
Ao modelar o estúdio como uma empresa, Whitaker e Kräussl estimam um ROI anual de 8,2%, mas lembram que esse número oculta uma estrutura de risco comparável à de startups de tecnologia: muito investimento antecipado, retornos tardios e alto grau de incerteza.
Da arte à inovação
O estudo dialoga com teorias de inovação e capital humano, aproximando o artista de um cientista em laboratório. Ambos operam sob o princípio da descoberta pelo fazer — aquilo que a economista Saras Sarasvathy chamou de effectuation: criar sem saber exatamente o resultado.
Essa analogia estende a discussão para além da arte. O modelo poderia ser aplicado a pesquisa científica, design, música e até inteligência artificial, onde o valor também é produzido ex ante e monetizado ex post.
O que muda para o mercado
A principal consequência desse novo paradigma é ética e estrutural: se o artista é um investidor, deveria reter parte do valor futuro de suas obras. Whitaker e Kräussl retomam a ideia de “equidade fracionária”, já explorada por eles em 2020: o artista manteria, por contrato, uma pequena porcentagem sobre futuras revendas — criando uma renda recorrente e corrigindo o desequilíbrio entre criador e especulador.
Essa lógica já inspira experimentos recentes com NFTs, smart contracts e plataformas de revenda justa, reaproximando economia e criatividade.
Reflexos no Brasil e América Latina
A leitura desse estudo é particularmente relevante num mercado como o latino-americano, onde a precariedade do trabalho artístico se mistura a um ecossistema de galerias subcapitalizadas. A noção do artista como empreendedor de risco — e não mero produtor de bens simbólicos — pode servir de base para políticas de fomento mais realistas, que reconheçam a natureza de investimento da prática artística.
Programas de coprodução, fundos de pesquisa e incentivos fiscais poderiam tratar o estúdio como unidade produtiva — tal como startups culturais ou empresas de design já fazem.
Conclusão
The Real Value of Art propõe uma virada epistemológica: sair da lógica de preço e abraçar a lógica de valor, onde o ato criativo é o núcleo do investimento.
Frank Stella, com suas perdas e glórias, torna-se um caso-modelo de como a arte é, antes de tudo, uma forma radical de empreendedorismo intelectual.
Fontes
Whitaker, A. & Kräussl, R. (2025). The Real Value of Art: Investment Returns Using Costs of Production. SSRN, 9 de junho de 2025.
Guberman, S. (1995). Frank Stella: An Illustrated Biography. Rizzoli.
Castelli Gallery Archives, Smithsonian Institution.