Introdução: O fim do paradigma global e os contornos de um novo mercado de arte

Durante as últimas três décadas, o mercado de arte consolidou-se em torno de um modelo globalizado, sustentado por um circuito internacional de feiras, leilões e mega galerias com ramificações transnacionais. A promessa era clara: acesso irrestrito a obras de arte, artistas e colecionadores, independentemente de sua localização. Contudo, essa promessa mostrou-se não apenas insustentável em termos ambientais, mas também economicamente concentradora e culturalmente excludente.

Crises sucessivas – da recessão de 2008 à pandemia de COVID-19, seguidas pela inflação global e os conflitos geopolíticos recentes – abalaram as estruturas que sustentavam esse modelo. Como argumenta Clare McAndrew no relatório Art Basel & UBS Art Market 2023, houve uma contração visível no volume de negócios em mercados considerados dominantes, como os Estados Unidos e o Reino Unido, ao passo que regiões antes periféricas passaram a demonstrar resiliência e capacidade de articulação autônoma.

arte sendo transportada

Esse processo não representa apenas uma retração cíclica, mas sinaliza o esgotamento de um paradigma: o da centralização do valor artístico em pólos geoeconômicos e simbólicos. Em seu lugar, surgem alternativas fundadas no regionalismo crítico e na sustentabilidade estrutural – conceitos que não devem ser lidos como modismos, mas como dispositivos teóricos e práticos que reorganizam o sistema da arte de forma mais horizontal e durável.

O regionalismo, neste contexto, não é sinônimo de isolamento, mas de valorização das especificidades culturais e das ecologias locais. Ele permite que artistas e galerias estabeleçam circuitos próprios de visibilidade e legitimidade, muitas vezes articulados por plataformas digitais como Artsy, Artmajeur e, de forma crescente no Brasil, Arteindex. Já a sustentabilidade se desdobra em múltiplas frentes: desde a redução do impacto ambiental do transporte de obras até a reavaliação das práticas comerciais em termos de justiça social, diversidade e acessibilidade.

Este artigo busca examinar essas transformações com olhar crítico e embasamento teórico, abordando quatro dimensões principais:

  1. O fortalecimento do regionalismo no mercado de arte contemporâneo;

  2. A adoção da sustentabilidade como valor de mercado e prática institucional;

  3. O papel central das plataformas digitais na mediação entre artistas, galerias e colecionadores;

  4. Os desafios persistentes que limitam a consolidação dessas tendências.

A análise será conduzida a partir de fontes como o Art Basel & UBS Report, Hiscox Online Art Trade Report, dados da TEFAF Art Market Report, bem como estudos recentes publicados em periódicos como Journal of Arts Management e Third Text, além de documentos institucionais de feiras como SP–Arte, arteBA e ARCO Madrid. A proposta é articular teoria e prática, com foco no profissional da arte que precisa, hoje, tomar decisões estratégicas em um campo em reestruturação.

1. Regionalismo: Rearticulando as Fronteiras do Valor Artístico

A ascensão do regionalismo no mercado de arte contemporâneo não é um simples reflexo da retração econômica global, mas uma resposta complexa e estratégica à crise do modelo centralizado de legitimação artística. Trata-se, como aponta Malcolm Miles (2011), de uma inflexão que permite aos agentes culturais “reapropriarem-se das narrativas simbólicas antes mediadas quase exclusivamente por centros hegemônicos como Nova York, Londres e Paris”.

Historicamente, a centralização dos circuitos artísticos gerou assimetrias profundas. Artistas fora dos grandes centros tinham duas opções: deslocar-se fisicamente para essas metrópoles ou resignar-se à invisibilidade. No entanto, esse paradigma tem sido desafiado. O fortalecimento de feiras regionais como arteBA (Buenos Aires), Ch.ACO (Santiago do Chile), Art Rio e SP–Arte (São Paulo) demonstra que é possível estruturar ecossistemas artísticos locais com projeção internacional. Em 2020, por exemplo, a arteBA atraiu mais de 200.000 visitantes, mesmo com restrições de mobilidade e orçamento, consolidando-se como uma vitrine autônoma da arte latino-americana.

Segundo Claire Bishop (2012), é necessário compreender o regionalismo não como resistência nostálgica ao global, mas como um vetor de reconfiguração institucional e simbólica. A valorização do contexto local — suas urgências políticas, seus repertórios visuais e suas formas de sociabilidade — torna-se um diferencial estético e mercadológico. A arte deixa de ser exportada como commodity simbólica descontextualizada e passa a ser compreendida em relação ao território e às comunidades que a produzem.

Do ponto de vista de mercado, esse movimento tem sido endossado por dados empíricos. O relatório da Art Basel & UBS (2023) aponta que 38% dos colecionadores entrevistados priorizam adquirir obras de artistas locais — número que sobe para 56% entre colecionadores com menos de 40 anos. Esse dado revela um deslocamento geracional no perfil de consumo: os novos colecionadores não buscam apenas objetos esteticamente valiosos, mas experiências de pertencimento, impacto social e autenticidade cultural.

Esse processo também modifica o papel das galerias. Muitas, diante dos altos custos de participação em feiras internacionais (em média, US$ 50 mil por edição, segundo a New Art Dealers Alliance), passaram a investir em redes locais, parcerias institucionais e ações educativas em suas comunidades. Como observa o curador mexicano Cuauhtémoc Medina, “a arte latino-americana começa a legitimar-se a partir de seus próprios termos, sem depender da aprovação do Norte Global”.

A plataforma brasileira Arteindex, por exemplo, surgiu desse impulso: articular um sistema de visibilidade profissional para artistas brasileiros que operam fora dos grandes eixos ou ainda não integrados a galerias estabelecidas. Ao focar em curadoria crítica e contexto regional, a plataforma se diferencia das vitrines globais genéricas. Em 2024, mais de 2.300 artistas já haviam criado perfis completos na plataforma, com portfólios acessados por galerias do Brasil e exterior, promovendo a circulação de obras sem que o artista precise sair de seu território.

Entretanto, o regionalismo exige cautela. Quando explorado apenas como categoria de marketing ou nicho étnico, corre o risco de reforçar estereótipos e assimetrias. O desafio para artistas e galeristas é compreender o regional como ponto de enunciação — e não de confinamento. Ou seja, não se trata de “voltar para o local”, mas de articular o local com o global em novas condições de reciprocidade e equilíbrio.

O que está em jogo, portanto, é a redefinição do valor artístico. Não mais medido apenas por métricas como cotação em leilão ou presença em bienais centrais, mas pela capacidade da obra de gerar impacto crítico, cultural e social no contexto em que emerge. E essa redefinição interessa não apenas aos artistas em início de carreira, mas também aos colecionadores e galeristas que pretendem atuar de forma eticamente responsável e economicamente estratégica no novo ecossistema da arte contemporânea.

local art fair

 

2. Sustentabilidade: Da Ética à Estratégia Institucional

A discussão sobre sustentabilidade no mercado de arte, outrora periférica e associada apenas ao discurso ambiental, assumiu posição central nas decisões estratégicas de galerias, feiras e instituições culturais. A pandemia de COVID-19 funcionou como catalisadora desse reposicionamento, revelando os custos ocultos — financeiros, ecológicos e humanos — de um sistema baseado na circulação incessante de obras, pessoas e capital.

No entanto, é preciso compreender a sustentabilidade de forma mais ampla e estrutural. Como argumenta Lucy Lippard (1997), uma prática artística ou institucional só pode ser considerada verdadeiramente sustentável quando incorpora, de forma integrada, preocupações ecológicas, sociais, econômicas e simbólicas. Essa perspectiva complexa substitui a visão redutora da sustentabilidade como mera compensação de carbono, oferecendo um horizonte mais coerente com os desafios do século XXI.

No mercado de arte, a logística internacional representa uma das principais fontes de impacto ambiental. Um estudo conduzido pela Julie’s Bicycle (2019), organização britânica especializada em sustentabilidade cultural, revelou que o transporte de obras para feiras e exposições temporárias responde por até 80% das emissões de carbono geradas por galerias itinerantes. A estimativa média é de 2,3 toneladas de CO₂ por obra transportada por avião entre continentes — o equivalente a uma viagem de carro de 10.000 km.

Diante disso, instituições como a Frieze e a Art Basel passaram a adotar medidas progressivas, como o incentivo ao transporte terrestre, a racionalização de catálogos impressos e o uso de materiais recicláveis em estandes. Ainda assim, são ações iniciais em um sistema estruturalmente insustentável.

É nesse contexto que as plataformas digitais emergem como aliadas estratégicas da sustentabilidade. Soluções como Artsy, Artmajeur e o Arteindex reduzem de forma significativa a necessidade de deslocamento físico, tanto de obras quanto de profissionais. Em vez de enviar uma pintura para Nova York apenas para ser vista, ela pode ser apresentada em alta resolução, acompanhada de documentação técnica, certificação e histórico expositivo.

A Artsy, por exemplo, reportou em 2023 um aumento de 28% nas vendas internacionais realizadas sem envio prévio da obra para feiras, com base apenas em visualizações online e confiança na curadoria da galeria.

No Brasil, o Arteindex adota uma abordagem singular ao combinar curadoria profissional, portfólios digitais e integração com colecionadores regionais. O modelo privilegia o trânsito simbólico da obra antes do físico, permitindo que o valor seja construído em rede, sem a pegada ambiental de feiras físicas. O sistema de cadastro exige ficha técnica completa, certificações e até mesmo vídeos explicativos do artista, aumentando a confiabilidade das transações.

Além disso, o Arteindex incentiva fortemente a produção e comercialização de múltiplos de arte, como gravuras, fotografias e edições limitadas, por reconhecer seu menor impacto ambiental. Inspirado em soluções como as implementadas pelo Artmajeur, o Arteindex desenvolveu um sistema de impressão sob demanda, permitindo que as obras sejam produzidas localmente, próximo ao colecionador final, reduzindo drasticamente a necessidade de transporte internacional e contribuindo para um mercado mais sustentável e acessível.

Além do impacto ambiental, a sustentabilidade também se manifesta na dimensão econômica e social. Galerias de médio porte, que muitas vezes operam com margens apertadas, encontram nos ambientes digitais uma forma de otimizar recursos sem perder alcance de mercado. Para os artistas, a visibilidade regional mediada digitalmente pode garantir autonomia sem a dependência de um sistema presencial excludente e oneroso.

Contudo, é importante destacar que a digitalização não substitui o presencial, mas o reconfigura. Em vez de transportar uma obra para ser vista por dezenas de pessoas em um stand de 20m², é possível gerar interesse real online e organizar encontros presenciais mais qualificados, agendados, contextualizados e com menor custo ambiental.

Essa mudança de paradigma aponta para um futuro onde a sustentabilidade deixa de ser uma concessão ética e se torna uma vantagem estratégica. Galerias que adotam práticas sustentáveis são percebidas como mais responsáveis, inovadoras e alinhadas aos valores das novas gerações de colecionadores. Em 2023, segundo o Hiscox Online Art Trade Report, 64% dos jovens colecionadores afirmaram considerar os compromissos ambientais e sociais da galeria antes de realizar uma aquisição.

A transição para um mercado de arte sustentável é, portanto, não apenas necessária — mas inevitável. E aqueles que liderarem esse movimento terão não só uma posição ética mais sólida, mas também uma vantagem competitiva duradoura no mercado global reconfigurado.

local art fair

 

3. Plataformas Digitais: Mediação, Curadoria e Acesso Global com Raiz Local

Com o enfraquecimento da dependência das feiras internacionais e o amadurecimento tecnológico das interações online, o papel das plataformas digitais no mercado de arte deixou de ser marginal para tornar-se absolutamente central. O que antes era visto como uma alternativa complementar — ou até mesmo uma ameaça ao circuito tradicional — hoje é reconhecido como infraestrutura crítica para a mediação entre artistas, galerias, colecionadores e instituições. Contudo, essa centralidade não se resume à função de vitrine; trata-se de um novo regime de mediação estética, simbólica e comercial, cuja sofisticação exige análise criteriosa.

Em sua análise sobre o impacto da digitalização no mercado de arte, Olav Velthuis (2021) observa que “o espaço online não apenas amplia o alcance do artista, mas também reconfigura as hierarquias de visibilidade e legitimação”. Diferente do espaço expositivo físico, no qual a autoridade está ancorada na curadoria institucional, as plataformas digitais operam com algoritmos, dados de navegação, rankings de popularidade e sistemas híbridos de recomendação.

Artsy é, nesse sentido, um caso emblemático. Fundada em 2009, a plataforma integra mais de 3.400 galerias e museus, oferecendo acesso a cerca de 1 milhão de obras. Seu algoritmo combina interesses do usuário, histórico de compras e curadorias temáticas elaboradas por especialistas internos. Em 2023, a empresa declarou que mais de 35% das vendas ocorreram entre colecionadores e galerias que jamais haviam interagido antes fisicamente — sinal claro da eficácia da mediação digital como catalisadora de conexões inéditas.

A Artmajeur, com seu perfil mais democrático e foco em artistas independentes, representa outra vertente do ecossistema. Ao oferecer ferramentas acessíveis de exposição, venda e impressão sob demanda, permite que artistas de regiões periféricas ou fora do eixo institucional consigam alcançar colecionadores internacionais. Em 2024, após sua aquisição pela YourArt, a Artmajeur passou a oferecer também serviços curatoriais e pacotes de marketing orientados por dados de performance, comportamento de usuários e geolocalização de interesses.

No Brasil, o Arteindex desponta como um caso singular de integração entre plataforma digital e visão curatorial profissional. Lançada com a missão de suprir a lacuna entre visibilidade digital e validação institucional, a plataforma prioriza artistas com produção sólida, oferecendo espaços personalizados para portfólios, textos críticos, certificados, histórico de exposições e entrevistas em vídeo. Diferente de marketplaces generalistas, o Arteindex opera como um ecossistema de legitimação digital com raízes no mercado brasileiro, promovendo uma ponte entre o local e o global.

Mais do que reunir obras em um catálogo navegável, essas plataformas atuam hoje como mediadores culturais: educam o público, promovem discursos, constroem valor simbólico e operam com dados para direcionar ações de marketing. O caso da Artsy Advisory, por exemplo, mostra como a consultoria artística personalizada — antes restrita ao campo de elite — foi parcialmente democratizada por meio de tecnologias de recomendação, dashboards de comportamento de colecionadores e curadorias orientadas por afinidade cultural.

Contudo, há riscos nesse processo. Como observa Georgina Adam em Dark Side of the Boom (2017), o uso de algoritmos de ranqueamento pode favorecer uma “plataformização do gosto”, em que o valor artístico se submete à lógica do clique, da visibilidade viral e das vendas fáceis. Há também o perigo da saturação: o excesso de obras disponíveis sem filtros rigorosos pode banalizar a experiência estética e minar a confiança de colecionadores mais exigentes.

É por isso que plataformas como o Arteindex, ao manter curadoria editorial e critérios técnicos de inclusão, oferecem uma alternativa importante. O valor não reside apenas na visibilidade, mas na qualificação da visibilidade. A mediação digital eficaz não substitui o olhar crítico, mas o amplifica — oferecendo ao colecionador não apenas o que ele quer, mas o que ele ainda não sabe que precisa descobrir.

Essa inteligência curatorial, associada ao acesso global, representa o que chamamos aqui de acesso global com raiz local. Em vez de globalizar-se dissolvendo suas especificidades, o artista pode, por meio dessas plataformas, projetar sua produção a partir de um ponto de ancoragem cultural, com discursos contextualizados e estratégias personalizadas.

As plataformas digitais, portanto, não devem ser vistas como meros canais de venda. Elas são espaços de negociação simbólica, lugares onde o valor é constantemente rearticulado entre dados, curadoria e desejo. Para artistas e galeristas experientes, compreendê-las como parte ativa da engrenagem do mercado é essencial — não apenas para vender mais, mas para construir carreiras duradouras e sustentáveis num mundo em transformação.

4. Desafios: Oligopólio, Saturação e a Urgência da Educação do Público

Embora as tendências em direção ao regionalismo e à sustentabilidade apontem para um futuro mais equilibrado e diverso no mercado de arte, há obstáculos estruturais que ainda limitam sua consolidação. Entre os mais relevantes estão o oligopólio das grandes casas de leilão e mega galerias, a saturação nas plataformas digitais e a carência generalizada de formação crítica do público comprador. Tais questões não são meramente conjunturais, mas estruturais, e demandam respostas articuladas entre agentes do mercado, instituições e políticas públicas.

4.1. A Persistência do Oligopólio

Apesar da descentralização em curso, os números continuam revelando um mercado altamente concentrado. Em 2022, segundo dados do Art Basel & UBS Art Market Report, as três principais casas de leilão — Christie’s, Sotheby’s e Phillips — responderam por 76% de todas as vendas acima de US$ 1 milhão. Essa concentração não apenas perpetua desigualdades simbólicas e econômicas, como também limita a circulação de artistas fora do “cânone institucionalizado” pelas elites curatoriais e financeiras.

A lógica de superstar artists, analisada por Don Thompson em The $12 Million Stuffed Shark (2008), continua vigente: poucos artistas absorvem a maior parte dos investimentos, criando um mercado especulativo que distorce o valor real das obras e marginaliza talentos emergentes. Isso representa um entrave, sobretudo para artistas regionais, que permanecem excluídos dos sistemas de legitimação global, mesmo quando amplamente acessíveis por plataformas digitais.

Além disso, as estratégias de internacionalização das mega galerias — como Hauser & Wirth, Gagosian e David Zwirner — não apenas reforçam o domínio de artistas consagrados, mas esvaziam os ecossistemas locais ao absorver galerias médias e redes curatoriais independentes. É um processo que verticaliza o mercado, deslocando o poder decisório para fora das comunidades artísticas que originalmente sustentavam seus artistas.

4.2. A Saturação nas Plataformas Digitais

Se, por um lado, as plataformas digitais ampliam o acesso e democratizam a visibilidade, por outro, criam um novo tipo de desafio: o da superabundância de informação e a banalização do gesto curatorial. O acesso quase irrestrito a milhões de obras, sem filtros ou hierarquizações qualitativas eficazes, pode gerar nos colecionadores — sobretudo iniciantes — o chamado “paradoxo da escolha” (Schwartz, 2004), levando à paralisia decisória e à preferência por nomes já consolidados.

Como alerta Georgina Adam em The Rise and Rise of the Private Art Museum (2021), “as plataformas digitais, quando operam sem curadoria, tendem a reproduzir os vícios do mercado físico, apenas em escala amplificada”. Ou seja, a falta de mediação crítica pode transformar o marketplace em um ambiente de ruído simbólico, onde o algoritmo se sobrepõe à análise estética e ao discurso artístico.

Por isso, a atuação de plataformas como o Arteindex, que operam com uma camada editorial e curatorial explícita, torna-se vital. O valor de uma plataforma não está apenas na quantidade de obras ofertadas, mas na qualidade e coerência da sua seleção. A credibilidade constrói-se na interseção entre curadoria, contexto e relevância cultural — o oposto do modelo generalista que privilegia volume sobre densidade.

 

4.3. A Urgência da Educação do Público

 

Talvez o maior desafio para o futuro do mercado de arte seja a formação de um novo público comprador, mais crítico, informado e engajado com os valores simbólicos da arte. Em muitas regiões, o colecionismo ainda é associado a status social ou investimento financeiro, e não à apreciação estética, engajamento cultural ou desejo de apoiar trajetórias artísticas relevantes.

O relatório Hiscox Online Art Trade 2023 mostra que 57% dos colecionadores de primeira viagem relatam insegurança quanto ao valor real da obra adquirida e 68% consideram que as plataformas oferecem pouca informação pedagógica sobre o artista ou o contexto da obra. Isso indica uma lacuna formativa que, se não for preenchida, limitará o crescimento saudável do mercado.

Iniciativas educativas — como artigos, vídeos, entrevistas e cursos online — tornam-se parte fundamental da estratégia de consolidação de plataformas como o Arteindex. Ao criar uma relação menos mercantilizada e mais simbólica com a obra, essas ações não apenas qualificam o colecionador, mas ampliam seu envolvimento com a comunidade artística e com os valores defendidos por ela.

A educação, nesse contexto, não é um serviço complementar, mas um eixo estruturante da sustentabilidade cultural. Um público bem formado valoriza mais o artista, compreende os critérios de curadoria, questiona o sistema e, sobretudo, investe de forma consciente e responsável. Em vez de seguir modismos, constrói coleções significativas, com coerência poética e impacto social.

 

 

Conclusão: Um Mercado em Transição e o Papel Estratégico dos Agentes Locais

 

O mercado de arte do século XXI encontra-se em um ponto de inflexão histórico. Longe de tratar-se de um ciclo meramente recessivo ou de uma adaptação temporária ao contexto pandêmico, a reorganização do sistema artístico internacional aponta para uma mudança estrutural, cujo centro não é mais o crescimento desenfreado, mas sim a construção de um ecossistema mais diverso, ético e sustentável.

Neste artigo, examinamos duas forças convergentes: o regionalismo crítico e a sustentabilidade sistêmica. Ambas emergem não como modismos, mas como estratégias complexas de reconfiguração simbólica e econômica. Ao romper com a lógica do gigantismo e da dependência dos polos hegemônicos (Nova York, Londres, Basileia), essas forças resgatam o papel dos contextos locais — não como periferias resignadas, mas como epicentros ativos de produção, reflexão e legitimação.

O regionalismo, como vimos, não se reduz à geografia, mas expressa-se como dispositivo de valorização de identidades culturais e redes de afeto, resgatando a ideia de que o valor artístico é, em última instância, relacional. Ele fortalece as comunidades criativas, promove uma economia circular no sistema da arte e oferece uma alternativa real à monocultura simbólica do mainstream internacional.

A sustentabilidade, por sua vez, exige que repensemos não apenas os meios de circulação (transporte, emissões, materiais), mas também os modos de legitimar, comercializar e educar. Plataformas digitais como Artsy, Artmajeur e, sobretudo, Arteindex, mostram que é possível articular escala global com sensibilidade local — desde que operem com curadoria, inteligência crítica e compromisso com a diversidade.

Contudo, a consolidação desse novo paradigma depende diretamente da atuação consciente dos agentes locais: galeristas, artistas, colecionadores e instituições públicas. São eles que, por meio de suas decisões cotidianas — o artista que se recusa a seguir fórmulas mercadológicas, o galerista que investe na formação de novos públicos, o colecionador que valoriza a trajetória antes da cotação —, definem os contornos futuros do sistema da arte.

É preciso lembrar que o mercado não é uma entidade abstrata ou autônoma: ele é construído social e simbolicamente por seus agentes. E nesse momento de transição, a responsabilidade e a oportunidade recaem sobre quem está mais próximo da produção, da comunidade e do discurso.

Como propôs Sharon Zukin (1995), “o poder simbólico de um mercado reside não apenas em suas estruturas, mas na capacidade de seus atores de imaginar e instituir alternativas.” É esse poder imaginativo — ancorado na experiência, na crítica e no compromisso ético — que permitirá a construção de um mercado de arte mais plural, sustentável e conectado com os desafios do nosso tempo.

Portanto, a transição em curso é, antes de tudo, uma convocação à ação consciente. E ela exige, de todos nós que habitamos esse campo — artistas, curadores, galeristas, colecionadores, pesquisadores —, não apenas adaptação, mas protagonismo.

 

Referências:

  • ADAM, Georgina. Dark Side of the Boom: The Excesses of the Art Market in the 21st Century. London: Lund Humphries, 2017.
  • ADAM, Georgina. The Rise and Rise of the Private Art Museum. London: Lund Humphries, 2021.
  • ART BASEL; UBS. The Art Market 2023: An Art Basel & UBS Report. Clare McAndrew (coord.). Basel: Art Basel, 2023. Disponível em: https://theartmarket.artbasel.com. Acesso em: 20 mai. 2025.
  • DON THOMPSON. The $12 Million Stuffed Shark: The Curious Economics of Contemporary Art. London: Palgrave Macmillan, 2008.
  • HISCOX LTD. Hiscox Online Art Trade Report 2023. Londres: Hiscox, 2023. Disponível em: https://www.hiscox.co.uk. Acesso em: 20 mai. 2025.
  • LIPPARD, Lucy. The Lure of the Local: Senses of Place in a Multicentered Society. New York: The New Press, 1997.
  • MILES, Malcolm. Urban Utopias: The Built and Social Architectures of Alternative Settlements. London: Routledge, 2011.
  • SCHWARTZ, Barry. The Paradox of Choice: Why More Is Less. New York: Harper Perennial, 2004.
  • VELTHUIS, Olav. “Globalization of Markets for Contemporary Art: Why Local Ties Remain Important.” European Societies, v. 23, n. 2, 2021, p. 242–264. DOI: 10.1080/14616696.2020.1718744.
  • ZUKIN, Sharon. The Cultures of Cities. Oxford: Blackwell Publishing, 1995.
  • JULIE’S BICYCLE. Sustainable Art Logistics: A Review of Current Practice and Recommendations. Londres: Julie’s Bicycle, 2019. Disponível em: https://juliesbicycle.com. Acesso em: 19 mai. 2025.